Por: Raphael Bernardes da Silveira
A proteção legal atribuída às garantias das operações de crédito, nesse caso da cessão fiduciária de créditos, encontra limites evidenciados quando há supeita de fraude contra credores, podendo tornar ineficaz a alienação de direitos por decisão judicial.
O MM. Juíz da 18ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo proferiu decisão entendendo que poderia recair constrições, penhora, sobre os recebíveis de um empreendimenrto hoteleiro cedidos a uma companhia securitizadora.
Consta da decisão que a cessão dos créditos ocorreu posteriormente ao ajuizamento de mais de 900 (novecentas) medidas ajuizadas contra o grupo do empreendimento imobiliário, o que seria o suficiente para constatar a inadimplência, sendo desnecessário demonstrar má-fé da adquirente dos créditos.[1]
Essa decisão relembra a importância do dever de diligência que recai sobre o cessionário, adquirente, de créditos, especialmente quando analisada a legislação e a jurisprudência. Analisando o artigo 159 do Código Civil, transcrito a seguir, é possível compreeder os requisitos da fraude contra credores:
Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
Para arguir a nulidade um dos dois requisitos devem estar presentes, seja a notória insolvência ou haver “motivo para ser conhecida do […]” credor. No caso mencionado o MM. Juiz utiliza a existência dos 900 processos em trâmite, anteriore a cessão para sobrepor a constrição sobre os créditos cedidos.
Igualmente ocorre nos casos de cessão fiduciária, na qual os créditos são oferecidos em garantia à operações de financiamento, presumindo-se “[…] fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor”.[2]
Entretanto, cumpre destacar que a mesma legislação afimar que “presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família”.[3]
Nesse sentido cumpre analisar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito dos requisitos da fraude contra credores, que prevê a ocorrência de quatro critérios para a caracterização da fraude contra credores, quais sejam:
1. A ocorrência de fraude contra credores demanda: i) a anterioridade do crédito; ii) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni); iii) tenha o ato jurídico praticado levado o devedor à insolvência; e iv) o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).[4]
Esses critérios permitem determinar, pelo menos para fins da defesa judicial da alegação de fraude contra credores, os critérios que devem estar presentes na cessão de créditos para que seja considerada ineficaz a transferência dos créditos.
Todos os fundamentos apresentados servem para demonstrar a importância da devida diligência realizada pelo cessionário de créditos, que deve analisar não somente a capacidade pagamento do devedor ou dos sacados, mas é essencial verificar eventuais dívidas e processos ajuizados contra o cedente.
A devida análise da situação econômica do cedente, especialmente a eventual existência de medidas judiciais trabalhistas, tributárias, cíveis, etc., pode afastar a pretensão de penhora ou bloqueio dos recebíveis e prejudicar a operação.
[1] bit.ly/3W46NfZ – Link da Sentença Proferida nos Autos de Embargos de Terceiro 1014964-35.2024.8.26.0100 18a VC de São Paulo
[2] Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. – Código Civil
[3] Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família – Código Civil
[4]https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202301859814&dt_publicacao=29/02/2024